julho 05, 2011

Os senadores brasileiros, o Tribunal de Haia e a estrela da manhã





A quem mais interessa o fato de que o Capital compra votos, compra cargos chaves para autorizar crimes, compra leis, compra demolições, compra mortes, compra espécies vegetais e animais silvestres para o sacrifício, compra crianças para a prostituição, compra veículos de imprensa, compra ciência para patentear a vida, compra almas, compra impunidade, compra espaço territorial, enfim, compra quase tudo para seu engrandecimento como Capital. A quem poderíamos denunciar isso?

Por Ana Carolina Martins da Silva


Escreve as coisas que tens visto, e as que são, e as que depois destas hão de acontecer;
Apocalípse 1-19.


Tenho tentado escrever sobre as alterações no Código Florestal, desde que o debate começou, mas não tinha tido forças ainda. É uma coisa grande demais, é inacreditável. Fico lendo os textos de meus companheiros ecologistas, apoiando as manifestações virtuais, apoiando aquelas presenciais em que consigo estar e me sentindo cada vez menos competente para escrever um texto sobre tal crime hediondo, autorizado e sob a tutela do Estado, como está para acontecer. Não escrevi, fui fazendo coisas. Reenviando mensagens. Tentando articular apoio. Escrever foi impossível. Entretanto, as temeridades não param de acontecer, então não adianta apenas fazer coisas, é preciso dar testemunho, acredito que temos mesmo de fazer como manda a Palavra: “Escreve as coisas que tens visto!” Por isso me desafio e escrevo.


No dia em que a Ministra do Meio Ambiente esteve fazendo uma conferência na Assembléia Legislativa sobre a alteração do Código Florestal, os alunos da UERGS estavam fazendo mobilização na frente da Assembléia pela autorização de contratação de professores emergenciais para os formandos. Tentamos entrar no Dante Barone, mas estava lotado e os acadêmicos ficaram do lado de fora. Então, solicitei aos meus alunos do curso de Engenharia em Sistemas Digitais, da unidade da UERGS em Guaíba, um texto acadêmico sobre o tema. Como professora de Português, precisaria trabalhar a estrutura do texto acadêmico, as normas da ABNT. Fiz isso, com o tema das alterações do Código Florestal. No sábado, encontrei um dos alunos de Guaíba em Porto Alegre. Sua primeira fala foi: Professora, a senhora vai na Manifestação Contra as Mudanças do Código Florestal hoje à tarde? Ele se referia à Mobilização organizada pela Vanguarda Abolicionista, no dia 4 de junho, no Largo Glênio Peres, onde centenas de pessoas se reuniram e saíram em caminhada pela avenida Borges de Medeiros para protestar contra o que nunca se pensou que iria ver: o extermínio em massa legalizado. Lembrei do Fernando Pessoa: “Tudo vale a pena se a alma não é pequena” e continuei meu caminho sorrindo, apesar de tudo.


Agora, novamente me pego me perguntando: a quem mais isso pode interessar, ao me deparar com a destruição da sede da AGAPAN, entidade mãe da ecologia junto ao Rio Grande do Sul. A quem mais pode interessar a morte dos ambientalistas na Amazônia? Hoje, o ambientalista do Movimento de defesa da Orla, Sylvio Nogueira, comentava comigo sobre a Sede da AGAPAN, com palavras simples e duras: Porto Alegre não é a Amazônia. Aqui a gente se revolta! Situada na esquina das avenidas Aureliano de Figueiredo Pinto e Praia de Belas, a AGAPAN, segundo sua assessoria de imprensa, teve seu patrimônio destruído pela empresa de demolição Gilberto Bexiga, que, com alvará provisório, concedido pela Secretaria Municipal de Indústria e Comércio (Smic) e contratada por Peruzzato & Kindermann, invadiu uma área pública e pôs abaixo a Sede da AGAPAN, que tem cessão de uso expedido pela própria Prefeitura por 20 anos, a contar do início de 2002. Além de a todos nós, cidadãos de bem, a quem interessa isso?


A quem mais interessa o fato de que o Capital compra votos, compra cargos chaves para autorizar crimes, compra leis, compra demolições, compra mortes, compra espécies vegetais e animais silvestres para o sacrifício, compra crianças para a prostituição, compra veículos de imprensa, compra ciência para patentear a vida, compra almas, compra impunidade, compra espaço territorial, enfim, compra quase tudo para seu engrandecimento como Capital. A quem poderíamos denunciar isso?


Quando vi a notícia de que o Tribunal Penal Internacional, que funciona em Haia, na Holanda, realizou a primeira audiência para o julgamento do ex-comandante do exército sérvio-bósnio Ratko Mladic, no dia 03 de junho, eu abri um arquivo no meu computador com o seguinte título: Os senadores brasileiros, o Código Florestal e o Tribunal de Haia. Foi tudo que consegui escrever, tal o sentimento impactante que me causa a perda quase total da confiança em um Sistema pelo qual lutamos: o Sistema Democrático. Quantas mortes para garantir o poder ao povo! O poder ao povo pela representação. Onde está essa segurança agora? Penso que estamos como os filhos do Bin Laden! Onde está o corpo do Bin Laden? Nós nos perguntamos, onde está o Sistema que defende a tudo e a todos? Teremos de procurar onde está o corpo da democracia? Onde está o corpo da justiça? Quando o mundo aceitou a vingança dos EUA, afogou a justiça junto com o Bin Laden. Quantos o queriam em julgamento? Entretanto, a justiça foi feita “pelas próprias mãos”, a exemplo de tanta produção cinematográfica que o próprio USA faz. Eles realmente acreditam na justiça pelas próprias mãos. Será que órfãos de leis, de justiça, de órgãos públicos respeitáveis e honestos, nós teremos de começar a fazer justiça pelas próprias mãos? Novamente, a impotência me deixa sem inspiração.


Apesar de saber que o Tribunal Penal Internacional pode ser uma Instituição comprometida como tantas outras, penso que se os Senadores brasileiros, em se comprometendo com o grande capital, vierem a aprovar a anistia a pessoas que conscientemente cometeram crimes ambientais, portanto, crimes contra a humanidade, dando “o braço a torcer” ao domínio vil de um dinheiro fruto do sofrimento de espécies de todos os reinos, precisarão de um julgamento desse porte! Caso autorize o uso das margens dos rios, e todos esses detalhes técnicos amplamente divulgados e que todas as pessoas sérias sabem que resultarão em crimes, esse Senado – inteiro – deve ser submetido ao Tribunal de Haia.


Sua decisão estará legitimando o que aconteceu na Amazônia, com a morte dos Ambientalistas, aqui em Porto Alegre, com a destruição descabida da Sede da AGAPAN, e a justiça aquela – respaldada em leis – estará no fundo mar. Então teremos aberto um tempo sem lei, sem respeito, um tempo que já tínhamos vencido, do tal “olho por olho, dente por dente.” Em um tempo destes, o que restará ao cidadão honesto, respeitador da convivência coletiva e sustentável, dos seres da natureza, nossos irmãos? Esse cidadão, respeitador do Planeta, terá de copiar hollywood e fazer do Brasil um grande Kill Bill?


Eu milito pela vida. Eu acredito na vida e na vida em abundância. Milito na Educação, ainda que meus alunos da UERGS tenham de ir pedir em passeata mais professores, mais aulas, e nós, professores e funcionários, condições dignas de trabalho. Ainda que tudo isso seja direito e tenhamos de ir pedir com tambores e faixas, eu milito na resistência e na revolta. Como a AGAPAN, que transcende paredes, ela verá a estrela da manhã! A AGAPAN se reerguerá. O Sistema que a submeteu ao desterro, não. O nosso Tribunal é aqui, na Praça da Redenção. Por isso, escrevo o que vi, o que é, na esperança do que há de vir.


* Mestre em Comunicação Social, ambientalista e professora da UERGS.


http://www.ecoagencia.com.br/?open=artigo&id===AUWVVeWpmQXJFbaNVTWJVU

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